SANTUARIO MARIANO.
E Historia
das Imagens milagrosas
DE NOSSA
SENHORA,
TOMO TERCEYRO,
QVE CONSAGRA. , OFFERECE. ,
E DEDICA.
Ao Excellentissimo Senhor Marquez De Fontes
D. RODRIGO PEDRO ANNES DE SA,
Almeyda, & Menezes,
Fr. AGOSTINHO
DE SANTA MARIA,
Ex-Diffinidor gèral da Congregaçaõ dos Descalços de Santo Augustinho de Portugal, & natural da Villa de Estremoz, & Chronista da mesma Religião
Ex-Diffinidor gèral da Congregaçaõ dos Descalços de Santo Augustinho de Portugal, & natural da Villa de Estremoz, & Chronista da mesma Religião
LISBOA,
Na Officina
de ANTONIO PEDROZO GALRAM
Com
todas as licenças necessarias.
Anno de
1711.
Livro II. Título XII.
Páginas 189 a 192
TITULO
XII.
Da
milagrosa Imagem de Nossa Senhora de Sacaparte.
Em o Bispado de Lamego, sobre
Riba Coa, está a Ermida, & Santuário de nossa Senhora de Sacaparte, situada
meya Iegoa da Villa de Alfayates, & em o seu limite, entre esta Villa &
a aldea da Ponte, & perto da Villa do Sabugal, situada em hum campo aonde
não ha mais que a Casa da Senhora a do Ermitaõ, & as casas de romagem. A
origem desta Santa Imagem segundo a tradiçaõ; porque ainda que querem afirmar
os daquella terra, que ella se ache nas historias antigas deste Reyno, nem sabem
dizer em que tempo foy, & com que Rey. Dizem que tendo batalha hum Rey de
Portugal com outro de Castella, no mesmo lugar, em que hoje se vé a Ermida; vendose o Rey Portuguez ao pór do Sol em
grande aperto, começára a dizer: Virgem sácanos a boa parte; & que logo assim
succedéra, ficando com toda a sua gente para a parte da sua terra, & que em
gratificaçaõ do beneficio lhe mandara o tal Rey edificar aquella Casa, &
lhe dera a invocaçaõ de nossa Senhora de Sacouaparte, ou de Sacaparte, como
agora lhe chamão. O Padre Vascõcellos na sua Descripçaõ faz este Santuario
muyto antigo; porque diz que quando os Mouros foraõ lançados daquellas
terras, era ennobrecida esta Casa da Senhora com milagres, & maravilhas,
& a Senhora venerada de todos os fieis.
Nas nossas Historias Portuguezas naõ ha noticia de batalha alguma entre os Reys de Portugal, & CastelIa (ou Leaõ) em aquelle lugar, se assim parece, que este sucesso que refere a tradiçaõ, he huma batalha que deu Dom Alvaro Nunes de Lara, que foy nesta forma.
Estava desavindo Dom Álvaro
Nunes de Lara, Senhor naquelles tempos poderoso, & de muytos vassallos, com
ElRey Dom Sancho o Bravo, filho de Dom Affonso chamado o Sabio. A causa desta
quebra, & cahida da graça daquelle Rey , era por lhe cercar a seu pay Dom
Joaõ Nunes de Lara na Cidade de Albarrazin, dous annos antes, como favor delRey
Dom Pedro de Aragaõ, que ganhando a Cidade, a deu a seu filho Dom Fernando, desapossando
della a D. Joaõ Nunes de Lara, a quem pertencia. Esta occasiaõ de quebra, com
outras que ja tinhaõ os Laras, quando intentáraõ encontrar naquella Cidade as
cousas delRey Dom Sancho, acostados a ElRey de Navarra, com o favor do de
França, foy a que trouxe a Dom Álvaro a Portugal, que era naquelle tempo o
valhacouto dos descontentes de Castella. Entendia Dom Álvaro que o mayor
padrinho de sua reconciliação com ElRey, havia de ser o desassosego em que o
trazia, & como era orgulhoso, & de grande espirito, & por tal
conhecido em ambos os Reynos, convocando gentes, & amigos de hum, &
outro, começou a fazer guerra nas fronteyras de Castella, pela parte de Riba Coa,
em que ouve grandes roubos, & destruições, sem que o nosso Rey Dom Dinis
(em cujo tempo isto succedeo) lhe pudesse ír à maõ, nem atalhar as demasias deste
hospede. E se entende que era assistido, & ajudado do Infante Dom Affonso
Irmão delRey Dom Dinis, como se colhe do Conde D. Pedro no titulo 65. Em estas
palavras:
E o sobredito Fernaõ Soares, &
Sentil Soares (eraõ estes fidalgos filhos de Sueyro Gonçalves
de Barrundo, & vinhaõ em companhia do Lara) Irmãos de Payo Soares Mordomo mór do Infante Dom Affonso, morréraõ na
lide de Alfayates, quando lidou D. Alvaro Munes de Lara com os Concelhos de toda
a terra, sendo elles vassalos de Dom Álvaro.
Ainda que nos manuscriptos da
Torre do Tombo se diz que esta lide foy em Alfaraós, entendese ser erro do escrivaõ,
porque de outros exemplares se vé Alfayates.
Com que da historia da lide, naõ consta nada, que toque à origem da Senhora; porque esta foy no tempo delRey Dom Dinis, & a Senhora he muyto mais antiga. Poderiaõ em algum recontro destes do Lara acharemse os naturaes de Alfayates em grande aperto, & valeremse do patrocínio da Senhora, invocando-a em seu favor, para que ella os livrasse, & puzesse em boa parte. E deste milagre, que podia ser muyto grande, a começariaõ a invocar com o titulo que hoje tem, deyxado o que antigamente tinha, como o vemos na Senhora do Incenso.
Administra-se esta Igreja pela Camera de Alfayates, a quem pertence o nomear Ermitaõ, & Mordomo, que com os officiaes sahe em pelouro. No alto do retabolo se vem as Armas Reaes de Portugal, em que se vé, deviaõ os Reys (pelas maravilhas que Deos obrava pela invocaçaõ daquella Imagem de sua Santissima Mãy, & continuamente obra) mandarlho fazer. A Igreja he muyto grande , & capaz dos concursos, que sempre alli ha. Dentro nella tem hum fermoso poço, cuja agua faz grandes milagres nos enfermos, particularmente de cezoens, & maleitas. O sitio he agradavel, & he hum valle muyto grande, & aprazível, com huma fonte, & tanque. Tem Hospital, ou casas de romagem, capaz de muyta gente. Nos Sabbados da Quaresma he grande o concurso de povo, & em todos ha Sermão, & concorrem nestes dias as Villas do Sabugal, Villar Mayor, & Castello Mendo, Castello Bom, & outras, & ainda de Castella vem de muytas Villas & lugares a venerar a esta Santissima Imagem.
Na primeyra, & segunda Oitava da Pascoa, tornaõ os mesmos povos em romaria à Senhora, & pelo Espirito Santo vem todo o termo de Castello Mendo com a mesma Villa, com círio levantado, & muyta gente de cavallo, bem luzida, que festejaõ ao redor da Casa da Senhora. De cada lugar do dito termo vem hum homem nu da cintura para cima, & descalço com huma tocha grande, & o da Villa com ventagens; por todas saõ vinte, que costumão pezar cento & trinta arrateis, huns annos por outros. Esta devoçaõ dizem tivera principio de haver naquella terra hum monstro, ou hú animal que destruhia os campos, & matava a gente, & que para se livrarem deste trabalho, fizeraõ voto à Senhora de ir naquella fórma à sua Casa, cada anno, no dia referido, com que se viraõ livres. E apregoaõ, que faltando hum anno nesta devoçaõ se viraõ outra vez perseguidos da féra, que seria a infernal. Cada anno se fazem à Senhora tres feyras, nas festas principaes, a saber, na da Annunciaçaõ, Assumpçaõ, & Natividade. Obra esta Senhora muytas maravilhas, & milagres, & os fez em alguns navegantes, seus naturaes, que em perigosas tormentas imploráraõ o seu favor, que acháraõ promptissimo, & assim em agradecimento indo visitar a Senhora, lhe oferecéraõ algunas peças, & vestidos ricos. A Imagem da Senhora he de escultura de madeyra, & terá de estatura cinco palmos. Da Senhora de Sacaparte escrevem o Padre Vasconcellos na sua Descripçaõ do Reyno de Portugal pag. 539. num. 16. & a Monarchia Lusitana part. 5. liv. 16. cap. 51.
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