quarta-feira, 25 de março de 2020

Lide de Alfaiates - Sacaparte - MONARCHIA LVSYTANA - Frei Francisco Brandão


Q V I N T A
P A R T E   D A
MONARCHIA
LVSYTANA.

Que contem a historia dos Primeiros 23. annos DelRey D. Dinis
Offerecida à Real  Magestade de ElRey Dom Ioão o Quarto Nosso Senhor
XVlll. dos naturaes Reys  desta Coroa.



Escrita pelo Doutor Fr. Francisco Brandão, Monge de Alcobaça,

Chronista Mòr de Portugal, Calificador do S.Officio, Examinador do Tribunal da Consciencia, & Ordens.

Com todas as licenças necessarias.

Em Lisboa na Officina de Paulo Craesbeeck. Anno 1650.


Páginas 121 a 123

CAPIT. LII.

Da guerra que fez a Ca-
stella Dom Aluaro Nunes
de Lara cõ gente do Imfan-
te D. Afonso de Portugal: &
da historia de nossa
Senhora de Sa
caparte.

1286

                   Por este tempo, em que vai a historia, andaua em Portugal desauindo com elRey Dom Sancho de Castella Dom Aluaro Nunes de Lara, filho de Dom Ioão Nunes de Lara, & a causa de andar desauindo com aquelle Rey, era por desualido por lhe cercar a seu pay Dom João Nunes de Lara na Cidade de Albarrasin dous annos antes, com fauor delRey Dom Pedro de Aragaõ, que ganhando a Cidade, a deu a seu filho Dom Fernando, desaposando della ao Dom Ioão Nunes, a quem pertencia por via da mulher Dona Teresa Alueres de Asagra. Esta occasiaõ de quebra, sobre as que já os Laras tinhão, quando intentaraõ daquella Cidade encontrar as cousas delRey D. Sancho acostados a Nauarra  cõ fauor delRey de França, foi a que trouxe a Dõ Aluaro a Portugal, que então era valhacouto dos caualeiros do Reyno de Castella, & o serà daqui adiante com Rey separado, como bem sentia o grande Duque de Alua. Entendia D. Aluaro que o padrinho de sua recõciliação com elRey auia de ser o desasossego com que o naõ deixasse viuer seguro: & Como era homem orgulhoso, & de espirito, & por tal conhecido em ambos os Reynos, conuocãdo gente, & amigos de hum, & outro, começou a fazer guerra nas fronteiras de Castella pela parte de Riba de Coa, em que ouue grandes perdas, & roubos, sem que elRey Dõ Dinis pudesse ir a mão, nem atalhar as demasias deste hospede, antes se presume, que o Infante D. Afonso lhe daua ajuda por Alentejo, que veio a ser occasiaõ de nouas quebras cõ elRey seu irmão, de que falaremos no anno seguinte, em que elRey redusio tudo, & accomodou a Dom Aluaro Nunes.

                   Acompanharão a Dõ Aluaro nestas guèrras dous caualeiros da familia dos Nouaes, & Barundos filhos de Sueiro Gonçalues de Barundo, & de Dona Tereja Pires de Nouaes, irmãos do Mordomo mór do nosso Infante D. Afonso, que mostra bem  ser elle coadjutor nestas cousas, & renderaõ a morte a ambos os irmãos em hum recontro junto a villa de Alfaiates, como escreue o Conde D. Pedro nestas palauras.

          Ε ο sobredito Fernão Soares, & Sentil Soares, irmãos de Pay Soares Mordomo do Infante D. Afonso morrerom na lide de Alfaiates, quando lidou D.  Aluaro Nunes de Lara cõ os Conselhos de toda a terra, sendo eles vassalos de Dom Aluaro e o sobredito Esteuão Soares, irmão deste Fernão Soares, morreo na lide de Tegante com Dom Nuno o bom, cujo vassalo era.

                   Appellidaraõ e estes caualeiros, Soares, por razão do pay, que se chamaua Sueiro. Estoutro recontro de Tegante não sei se seria por este mesmo tempo, que os autores sò fazem menção agora de assistir cà em Portugal a Dom Aluaro Nunes.

                   O manuscripto da Torre do Tombo, não diz que foi esta lide em Alfaiates, senão em Alfaraós, poderà ser que fose vicio do escreuente, pois vemos que outros exemplares dizem, Alfaiates. Nesta Villa ha hũa tradição acerca da Ermida de nossa senhora de Sacaparte, que concorda com isto.

                   A Igreja de nossa senhora de Sacaparte situada meia legoa de Alfaiates, & em seu limite, entre esta Villa, & a Aldea da Ponte; sua origem dizem ser, que tendo batalha hũ Rey deste Reyno com o de Castella no lugar sobredito, vendose ao pôr do Sol em aperto, começou a dizer: Virgem sacainos a boa parte, & logo assi succedeo, ficando com toda sua gente para a parte da sua terra. Em gratificaçaõ querem mandasse edificar esta casa, & lhe desse a inuocaçaõ de nossa Senhora de Saco a parte, ou Sacaparte, como agora lhe chamão. Naõ ha em nossas historias noticia de batalha alguma entre os Reys de Portugal, & Castella naquelle lugar; donde me persuado, que o caso que anda em tradiçaõ, succedeo nesta lide de Dõ Aluaro Nunes de Lara, por ser no mesmo destricto de Alfaiates, & com os Confelhos das terras circumuisinhas. Administrase a Igreja pela Camara, que nomea Ermitão, & Mordomo, que cõ os oficiaes sae em pelouro: no alto do retabolo estão as armas reaes.

                   He Igreja mui capaz; dentro tem hum poço muito fermoso, cuja agoa faz milagres nos enfermos, particularmente de maleitas o sitio he agradauel em hum valle muito grande, & aprasiuel, com huma fonte, & tanque: tem hospital capaz de muita gente. Nos Sabbados da Quaresma concorre muita, & em todos ha prègação; concorrendo nelles as villas do Sabugal, Villar maior, & Castel mendo com muitos lugares de seus termos, alem do de Alfaiates. Na primeira, & segunda oitaua da Pascoa tornão os mesmos pouos em Romaria, & pelo Spirito Santo vem todo o termo de Castel mendo com a mesma Villa com sina leuantada, & muita gente de caualo lusida, que festejão ao redor da casa. De cada lugar do dito termo vem hum homem nú da cintura para sima, & descalço com hũa tocha muito fermosa, & o da Villa cõ ventagem; por todas saõ vinte, que costumão pesar cento & triñta arrateis, huns annos por outros.

                   Esta deuação dizem tèr principio de auer naquella terra hum monstro, que destruia campos, & gente, fizerão promessa à Senhora de vir nesta forma a sua casa cada anno no dia sobredito, com que se virão liures, & apregoão que faltando hum anno, se viraõ outra vez perseguidos delle. Cada anno se fazem tres feiras, nas tres festas principaes da Senhora, Annunciaçaõ, Assumpςaõ, & Natiuidade. Obrou milagres em algũs nauegantes seus naturaes, que em agradecimento lhe derão peças, & vestidos; he cafa prouida de muitos ornamentos.

                   Em outro recontro, que o mesmo D. Aluaro Nunes teue, andando na Comarca de Tralosmontes, visinho às fronteiras do Reyno de Leão, matarão tambem a Nuno Rodrigues Bocarro, filho de Ruy Nunes de Chacim, & casado em Lisboa com Dona Maria Migueis, filha de Miguel Fernandes colaço do nosso Rey D. Afonso Terceiro. Este fidalgo viuia naquella Comarca, por serem herdados nella os deste appellido de Chacim, que he junto da villa de Moncoruo. Delle diz o Conde Dom Pedro:
           Este Nuno Rodrigues Bocarro, filho de Rui Nunes sobredito, matarãono em Riba Douro sobre Miranda apar de huns moinhos, hu andaua em companhia de Dom Aluaro Nunes de Lara, & hia em partimento de huma lide.